Qual é a melhor forma de tentar agradar um determinado segmento da sociedade, mas sem que, para isso, seja preciso se comprometer, a fim de não ser cobrado por suas palavras no futuro? Ora, basta aprender a discursar e a escrever como o ex-ministro Sérgio Moro, que em sua ‘Carta aos cristãos’ fez uso de puro malabarismo retórico.
Divulgada durante um ato político em Fortaleza, no Ceará, a “Carta de Princípios Para os Cristãos” de Sérgio Moro visa tentar conquistar o apoio dos evangélicos ao ex-ministro. Ela ressalta nove pontos, todos tratando assuntos de forma genérica, sem especificidade.
No item 4, por exemplo, que trata do aborto, o documento não externa uma posição pessoal de Moro. Ele apenas diz que deixará tudo como está. “Defenderemos a não ampliação da legislação em relação ao aborto e faremos a defesa da preservação da vida humana em todas as suas manifestações, conforme lei brasileira em vigor”, declara.
A legislação brasileira em vigor diz que o aborto é legal apenas nos casos de estupro, risco de vida para a mãe e de bebês anencefálicos. Muitos concordam com o modelo atual.
Todavia, grande parte dos cristãos, por exemplo, discordam da morte de um bebê resultante de um estupro, pois entendem que se trata de uma pessoa à parte do agressor, de modo que a sua morte seria apenas a vitimização de mais uma vida inocente [além da mãe] diante de uma situação trágica. A solução defendida nesses casos é a doação para adoção.
Por que Moro não fez questão de manifestar a sua visão pessoal sobre o aborto, ainda que defendesse manter a legislação atual? Isso seria muito mais significativo para a comunidade cristã. O documento poderia trazer a posição do ex-ministro, mas não trouxe, e não foi por acaso, pois visa justamente não comprometê-lo.
Já no primeiro item da carta, o texto também diz, com destaque nosso: “Respeitaremos e trataremos com dignidade todas as pessoas, religiões e crenças, sem fomentar discursos de ódio, disseminação de preconceitos ou estereótipos contra qualquer pessoa, religiosa ou não”.
Referências semelhantes aparecem no item sete da carta, que diz, com destaque nosso: “Por princípio democrático, preservaremos a pluralidade política e incentivaremos o combate à discriminação, ao preconceito e ao discurso de incentivo ao ódio e à violência, ainda que simbólica, seja em virtude da religião, raça, orientação sexual ou ideologia.”
O leitor que já está familiarizado com a guerra de narrativas existente na cultura atual, já deve ter notado onde está o presente de grego. Moro faz uso das mesmas expressões linguísticas vagas, sem definição conceitual, usadas pelos progressistas/esquerda para perseguir conservadores sob o mote do “discurso de ódio”, “preconceito” e “violência simbólica”.
Nesse balaio cabe tudo, pois em nome do suposto combate à intolerância, por exemplo, um conservador ou líder religioso pode ser acusado de promover “discurso de ódio” ao pregar contra a ideologia de gênero, o ativismo LGBT ou contra o ativismo ideológico na educação.
Um escritor cristão, conservador, pode ser acusado de “violência simbólica” ao publicar conteúdos que contrariam os interesses da agenda de gênero, e tudo isso cabe no discurso generalizado escrito na carta de Moro aos cristãos, uma vez que ela não especifica o que é “ódio”, “preconceito”, “violência simbólica” ou “estereótipos”.
Muito embora o documento defenda o compromisso com a pluralidade e a democracia, dando a entender que o discurso conservador possui espaço, esses termos também são facilmente manipulados pelos progressistas para fazer parecer algo que não é, pois o que eles consideram “democrático” e “plural” é relativo; aceitável apenas quando convém.
O que não convém, facilmente é classificado como “intolerância” e/ou “ódio”. É aqui onde está o Cavalo de Troia, pois o compromisso de Moro mediante o uso dessas narrativas permite que esse tipo de manipulação seja feita no futuro, de modo a isentá-lo sobre eventuais cobranças quanto ao teor das suas palavras escritas na carta.
Não é por acaso que o documento não faz qualquer referência ao conservadorismo, de fato, nem a princípios cristãos de forma objetiva, como a defesa da família tradicional composta por homem e mulher.
Em vez disso, ao falar da “autonomia da instituição familiar”, o texto destaca que no contexto da família “respeitaremos as preferências afetivas e sexuais de cada indivíduo”, dando a entender que endossa a união homossexual como entidade familiar, bem como a outros modelos familiares progressistas.
Portanto, a “Carta de Princípios Para os Cristãos” redigida por Moro não passa de um engodo enquanto compromisso com os reais princípios cristãos. Se trata de um documento meramente político, conceitualmente raso e evasivo, de fachada, que visa convencer apenas os mais leigos no meio cristão ou, no máximo, os supostos cristãos liberais.
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