Você pode dar vários nomes a Ciro Gomes, apelidos e xingamentos, mas certamente não será o de “burro”. Eleito deputado estadual aos 25 anos, prefeito de Fortaleza aos 31, Governador do Estado aos 33, ministro da Fazenda de Itamar Franco em 1994 e da Integração Nacional em 2003 durante o governo Lula, o vice-presidente do PDT sabe exatamente em qual terreno pisar quando o assunto é política.
Em maio desse ano um vídeo em que Ciro aparece batendo boca com a petista Maria do Rosário repercutiu em toda a mídia. Ambos estavam em um “debate” (risos) sobre fascismo realizado na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), em Recife, precisamente no dia 27 daquele mês.
Em dado momento Ciro fez críticas ao ex-presidente Lula, o que despertou a raiva de Rosário. “Ciro, você tem que deixar de lado essa obsessão de falar do Lula, contra o Lula. O Lula está preso, mas é uma injustiça o que acontece com ele”, disse ela na ocasião.
Ciro, por sua vez, fazendo jus à sua imagem de “arrogante polido” e de exímio estrategista político, rebateu: “Eu não falei mal do Lula, porra. Falei que ele está condenado em segunda instância e não vou mudar o discurso porque quem não vê a realidade é louco, é pirado”.
O leitor poderá assistir, no vídeo, o momento da troca de farpas entre os dois e tirar suas próprias conclusões, mas a reflexão que fazemos acerca disso é: qual é a intenção de Ciro Gomes ao fazer críticas a membros da esquerda, durante um “debate” da esquerda, em plena Universidade Federal, repetindo essa mesma postura até hoje, após a libertação de Lula da prisão?
Ciro Gomes: um estrategista nato
Ciro Gomes não chegou ao segundo turno das eleições presidenciais do ano passado, mas por muito pouco. Faltou, naquele momento, união das esquerdas do país em torno do seu nome. A ambição petista e dos seus aliados foi maior do que o futuro do esquerdismo no país. Quiseram manter a liderança no segmento através de um escudeiro fiel do Lula, o Fernando Haddad, mas erraram feio.
Apesar disso, Ciro Gomes demonstrou força e conseguiu dividir por um momento a esquerda. Muitos apoiadores do ex-presidente Lula se inclinaram para ele, enxergando em sua figura alguém capaz de fazer frente aos adversários. Mas, como? Qual foi o diferencial para isso acontecer?
“Lula está preso, babaca”. Essa frase imperativa dita por Ciro Gomes, no ano passado, durante um comitê do seu irmão, Cid Gomes, lá no Ceará, resume bem o seu diferencial na percepção da esquerda e centro-esquerda: ele se apresenta como alguém capaz de fazer autocrítica.
Marina Silva, ex-candidata à presidência pela REDE, protagonizou em um debate entre os candidatos na TV aberta um episódio emblemático contra o Partido dos Trabalhadores. Ela disse em resposta ao candidato Fernando Haddad que o PT não fazia autocrítica, e que este seria o maior erro cometido pelos líderes do partido até então.
No mesmo debate e no decorrer da campanha, Marina Silva e Ciro Gomes demonstraram profundo respeito um pelo outro. A grande mídia, por sua vez, também reproduziu largamente a ideia de que o maior problema do PT foi/é a sua falta de autocrítica. Aos poucos esse discurso foi tomando corpo… o corpo de Ciro Gomes.
Assim, o que Ciro Gomes faz hoje e certamente continuará fazendo cada vez mais até 2022, é se apresentar exatamente como alguém capaz de fazer essa “autocrítica”, a fim de reunir em torno do seu nome (dessa vez com mais tempo) os mesmos apoiadores do ano passado e os novos, insatisfeitos com a esquerda que ai está.
Lula, o ex-presidiário que agora berra aos quatro ventos o seu ódio contra a Justiça, discursa exatamente na contramão de Ciro: pregando a polarização e a ideia de que o PT não precisa fazer autocrítica. Assim, o líder petista, apesar de ainda ter força política, vai ficando cada vez mais isolado, pois a tendência é que a “nova esquerda” se reinvente e queria alguém como o Ciro e Marina lá na frente.
Para isso, Ciro quer se autopromover, então faz uso do seu estilo “arrogante polido” para chamar atenção, ganhar holofotes e voltar a ser o centro das atenções, não só da esquerda, mas também da oposição.
É isso o que acontece quando uma mídia reproduz a fala de Ciro Gomes como algo “sensato”, “equilibrado” ou “verdadeiro”, mesmo quando ele não passa de um autoritário velado com discurso de democrata. É exatamente esse o efeito que ele deseja causar, e não há nada melhor para isso do que escalar nas costas dos seus aliados.