Muitas vezes a vida se resume a um passo de cada vez, não importa a quantidade de responsabilidades que você possui, metas e desafios, pois nenhum significado se torna maior do que a capacidade de enfrentar às circunstâncias que tentam lhe impedir de tocar o cotidiano.
Um “pacote fechado” de sonhos não é suficiente para lhe motivar à tomar atitudes quando alguns sintomas minam sua força emocional, esperanças, substituindo a determinação, iniciativa e coragem pelo medo, tristeza, angustias, sentimento de morte. Neste cenário os sonhos se tornam pesadelos e você se acha refém diante da situação. Mas, o que fazer? Como entender o que para muitos atualmente são considerados casos típicos de depressão?
Esse texto é uma pequena reflexão acerca de um tema vasto, por isso não pretende esgotar aqui as diferentes perspectivas sobre o conceito de depressão. Todavia, o título faz alusão ao excelente livro chamado “Tristeza Perdida – Como a psiquiatria transformou a depressão em moda” (2010), pelo fato dessa obra ter sido um dos principais fundamentos teóricos para a escrita desse texto, sendo essa a perspectiva adotada daqui em diante.
Para que o leitor compreenda o título desse texto, será necessário ler com atenção todo o conteúdo, como segue abaixo:
Depressão e contexto cultural na pós-modernidade
Vivemos numa sociedade que vem perdendo a capacidade de lidar com a tristeza, angústias, frustrações, irritação, elementos típicos de um organismo sujeito à variação emocional constante.
Quanto mais, supostamente, evoluímos socialmente, menos aprendemos a reconhecer em nós o que são sintomas produtos de um contexto criado não para nos tornar mais conscientes da nossa – humanidade -, tão marcada por dilemas éticos, morais, sentimentais, mas sim para nos treinar e condicionar à conquista de metas constantes.
Essas metas são quase sempre resultados de uma visão imperativa da vida onde não há margem para falhas. Até mesmo o que consideramos possibilidades de falhas são idealizações prévias, para que a sensação de poder “controlar os riscos” nos dê algum conforto perante o inesperado.
Um emprego não alcançado, faculdade, relacionamento amoroso, amizades, família “perfeita”, estilo de vida e tantos outros – projetos – que desenvolvemos, quando confrontados pelas dificuldades reveladas no percurso, surtem em nós um efeito que, nessa geração, parece tão devastador ao ponto de causar sofrimento intenso e sensação de fracasso, desânimo, incapacidade e cansaço.
Não é difícil entender a razão dessa inabilidade para o sofrimento. Não é pelo fato de não podermos sofrer, visto que o sofrimento faz parte da condição humana. Aliás, é justamente pela experiência do sofrimento que mais nos conscientizamos dessa dimensão, quando por ela, por exemplo, nos reunimos em velório para consolo em face da morte, algo exclusivo da nossa espécie.
Ou ainda, quando movemos recursos para diante das mais diversas tragédias ambientais podermos ajudar os que foram atingidos, seja numa casa ao lado ou no país do outro lado do planeta. Ou quando simplesmente sentamos para ouvir, auxiliar, refletir, agir em favor de quem precisa externar uma angústia através do diálogo, da companhia.
O sofrimento, portanto, está patente aos nossos olhos e sua experiência, quando pessoal, nos dá recursos para saber lidar com o sofrimento dos outros também, de forma que isso caracteriza o pilar mais fundamental da condição humana: o relacionamento!
A relação entre depressão e a oferta de “soluções” rápidas
Para entender melhor a inabilidade para o sofrimento dessa geração, basta entrar numa livraria e ver a quantidade de livros de motivação, autoajuda e “mil e uma maneiras de ser vencedor”. Obras na sua absoluta maioria baseadas em um único conceito: o positivismo.
No texto chamado “A Morte das Utopias e o Reinado da Solidão Compartilhada“ [é importante ler também], me referi ao termo “utilitarismo funcional” para descrever uma espécie de “ser utilitário”, produzido por uma tal “cultura utilitária”, na qual a grande ênfase do desenvolvimento não está na compreensão das necessidades humanas, mas sim na “lógica” de funcionamento global de uma cultura de massa globalitária. Sendo assim, escrevi no texto:
“Nessa ‘cultura global utilitária’ desaprendemos a desenvolver relacionamentos saudáveis. Passamos a nos enxergar artificialmente como pessoas capazes ou não de atender às demandas do imediato. Se por um lado desejamos relacionamentos confiáveis, amizades, paixão, amor e respeito, por outro não estamos dispostos a ‘pagar o preço’ de construir tais relações”.
Todo relacionamento humano é antes de tudo um relacionamento consigo mesmo. Gosto chamar isso de relacionamento primário. Esse relacionamento primário, resumindo o conceito, é o modo de interação que você tem com a própria imagem. Na prática, desaprendemos a olhar para nós mesmos (imagem), substituindo isso por uma ideia de “ser” que vive em função do – outro -, sempre.
Dessa forma, o mundo virou um grande espelho, onde quem reflete a imagem nele não somos nós (você), mas sim a cultura (o outro) que tem procurado determinar por esse reflexo a maneira como devemos nos enxergar, pensar e agir. Em outras palavras, você não enxerga mais a si mesmo, uma vez que não sabe mais quem você é. Você enxerga o que a cultura determina sobre você.
Em um estado de inércia e quase servidão moderna, aceitamos tal condição porque nesse mesmo reflexo de uma imagem global utilitária, também vemos ofertadas promessas de soluções fáceis para os nossos dilemas. Achamos melhor, portanto, não pagar o preço na construção de relacionamentos sadios consigo mesmo e com o próximo, transferindo a responsabilidade pela construção da nossa autoimagem para o “mundo” (o outro), acreditando que ele trará às respostas de que tanto precisamos.
Mas, na prática, não é isso o que acontece. É justamente pela insuficiência de respostas que esperamos do outro (mundo, cultura ou pessoas) tão ansiosamente que em dado momento nos vemos desamparados de sentido, refletindo em nosso estado de ânimo e autoimagem a maneira como enxergamos a vida. A depressão então pode surgir como resultado dessa condição de “desamparo” ou, se preferir, “vacuidade”, aludindo ao que já foi dito pelo filósofo alemão Paul Tillich em “A coragem de Ser” (1972).
A experiência do sofrimento e o fortalecimento emocional diante da tristeza profunda
Os momentos de crises exigem de nós um conhecimento baseado também na experiência da dor, mas quando maquiamos essa realidade em função de um positivismo radical, falsificado, alicerçado num ideal que não é o seu contexto relacional de vida, desaprendemos a lidar com o sofrimento real e consequentemente a superá-lo. Com isso, a incapacidade de reconhecer a sua própria imagem é uma porta aberta para a depressão.
Por sua vez, as respostas imediatas trazidas pelo “mundo”, reproduzido no espelho das suas expectativas, não solucionam o que para você são necessidades únicas, só suas. Você se perde na própria dimensão (maneira de enxergar a vida), por exemplo, quando descobre que a experiência humana não se traduz em livros de autoajuda. Ela escapa, sempre, e o seu mundo desaba ao notar que àquela “fórmula de sucesso” não funciona no seu caso. Porque você é único(a)!
Isso também ocorre porque o “modelo cultural utilitário” não contempla suas necessidades mais íntimas, visto que elas são adquiridas conforme o que é uma experiência exclusivamente sua, enquanto no modelo utilitário – você – é nada mais do que um termo linguístico, útil, para dar aparência de pessoalidade a um conjunto de medidas prontas, para atingir um conjunto de necessidades igualmente prontas, não suas, mas da “massa”.
É com base nessa inabilidade cada vez maior para a experiência do sofrimento que os autores Allan V. Horvitz e Jerome C. Wakefield escreveram o livro que inspirou o título desse texto, “Tristeza Perdida – Como a Psiquiatria Transformou a Depressão Em Moda”.
Em referência ao grande aumento dos casos de depressão (300% de 1987 à 1997 nos EUA) e esclarecendo os fatores cruciais do quadro diagnóstico, os autores afirmam que, na verdade, há uma “tristeza perdida”, no sentido de que a humanidade vem perdendo a capacidade de lidar com o sofrimento habitual, atribuindo diagnósticos psicopatológicos a uma variedade de conflitos que deveriam ser encarados como resultados da vivência comum. Com base nessa noção, pergunto:
Podemos entender o diagnóstico e tratamento psicopatológicos como sendo um modelo de resposta imediata disponível a uma geração inabilitada para lidar com o sofrimento?
Talvez, é em face à desconstrução do “eu” em detrimento do “todo” que tal inabilidade se caracteriza. O empoderamento do sujeito pela imagem da “massa”, onde às experiências mais peculiares do “ser”, a exemplo do sofrimento, deixam de possuir identidade, porque não existe um “eu” que se reconheça, mas apenas o “todo” que prevalece até mesmo na hora de vivenciar a angústia.
Sendo assim, como uma pessoa pode adquirir recursos emocionais, psicológicos, conceituais, para superar os momentos mais penosos em sua vida, capazes de lhe fazer experimentar intenso sofrimento e tristeza? Ao que parece, uma geração sem identidade e inabilitada para essa condição tipicamente humana é a maior responsável pela “onda depressiva” que vive a humanidade.
Finalmente, o tema é vasto e carece de muitas reflexões, mas quero pensar que dar um passo de cada vez quando os dias são maus é mais do que caminhar irrefletidamente a uma direção qualquer. É preciso tomar consciência do aparato emocional que dispomos para lidar com o sofrimento. Esse, talvez, seja um exercício que não procura ignorar a dor, distorcendo seu sentido para que pareça “positivo” mesmo quando na verdade não é.
Acredite, compreender cada experiência como tendo um significado próprio e pessoal, tratado tal como a realidade se apresenta, pode ser o caminho mais viável para te fazer desenvolver um nível de estrutura emocional-cognitiva suficiente para lidar com os dilemas mais complexos da vida, incluindo o que aprendemos a chamar de “depressão”.