Circula nas redes sociais o banner de um evento [já realizado] que teve como objetivo abordar a prevenção ao abuso sexual e também “o sofrimento psíquico do pedófilo”. No material consta a informação de que se trata de uma palestra oferecida pelo psicólogo e psicanalista Paulo Roberto Ceccarelli.
A live (modo palestra) também foi mediada pela psicóloga Lívia de Paula Soares, apresentada no material como, pasmem, representante do Conselho Regional de Psicologia de Minas Gerais.
O material também traz o apoio de várias entidades públicas e a informação de que Ceccarelli é professor e orientador do Mestrado em Psicologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais.
Pedofilia é uma expressão sexual?
O leitor mais leigo sobre o assunto poderá se questionar inicialmente sobre qual seria o problema em abordar “o sofrimento psíquico do pedófilo”. Para entender essa problemática é preciso compreender o contexto onde ela se insere.
Qual contexto? O que coloca a pedofilia como uma doença! À luz da psiquiatria e seus manuais – que não falam pela ciência – a pedofilia seria uma doença.
Essa narrativa é adotada por milhares de pessoas, em sua maioria gente que nunca se questionou sobre a pura existência da mente, ou das “doenças mentais”, mas defendem com convicção a existência de uma “doença” chamada pedofilia.
Ao que tudo indica, no entanto, para Ceccarelli a pedofilia pode ser enquadrada não no conceito de doença… nem de crime. Para o ilustre portador do título de mestre e doutor, a pedofilia e outras parafilias podem ser, na verdade, nada mais do que expressões da sexualidade humana que outrora foram rotuladas como “perversões” por um sistema de pensamento herdado dos gregos, “em particular de Aristóteles”, e apoiado “na concepção teológica”.
E qual pensamento seria esse? Ora, segundo Ceccarelli, é a “noção de uma sexualidade normal segundo a natureza – união de dois órgãos sexuais diferentes para a preservação da espécie – cujo desvio, a depravação (pravus) é definido como ‘contra a natureza'”, diz ele em seu artigo intitulado “Neo-sexualidade e sobrevivência psíquica“.
Observe no trecho abaixo que o autor ao falar da “sexualidade normal”, em seu referido artigo, afirma que essa visão seria fruto da concepção grega e teológica, atribuindo a isso o motivo pelo qual práticas que hoje consideramos perversões, crimes ou imoralidades não são aceitas. Note que ele cita a pedofilia como exemplo:
“Tal concepção, herdeira do pensamento grego em particular de Aristóteles, apoia-se na concepção teológica de uma Natureza (physis), onde existiriam inclinações naturais nas coisas. Logo, todo ato sexual que desvia da finalidade primeira da sexualidade – pedofilia, necrofilia, masturbação, heterossexualismo separado da procriação, homossexualismo, sodomia – é perverso”.
Quando Ceccarelli coloca “pedofilia” lado-a-lado ao “heterossexualismo” (que não visa a reprodução) e ao “homossexualismo”, significa que para ele tais práticas ou comportamentos sexuais estão em pé de igualdade, certo? Caso contrário, por qual motivo faria tamanha comparação?
Se há uma diferença radical, ainda que exclusivamente no campo da moralidade, entre a pedofilia e às demais práticas, por que ele compararia a pedofilia ao simples ato de se masturbar, ou ao homossexualismo? A resposta sugestível aqui é a de que para ele não há diferença. Tudo se resume ao modo como a sociedade enxerga tais práticas.
Essa compreensão (que também foi exposta na live) parece ficar ainda mais clara na sequência do seu artigo, quando ele resume toda a noção de moralidade atrelada à sexualidade humana à questão religiosa, como se não houvesse ética fora da teologia e uma natureza biologicamente exposta diante de todos, inclusive dos ateus. Observe nossos destaques:
“É neste discurso teológico que se apoiam determinadas ações jurídicas destinadas a
reprimir todo ato perverso: certos atos ditos ‘contra a natureza’ são considerados um
atentado ao pudor ou à opinião pública, o que acarreta sanções.”
É isso mesmo que você leu! No trecho acima Ceccarelli parece fazer uma crítica ao fato de práticas como a pedofilia ser considerada crime, uma vez que por causa do “discurso teológico” ela é vista como um “ato perverso” e um “atentado ao pudor”.
O autor prossegue, explicando que já no campo da psiquiatria, uma vez que o discurso grego e teológico teria sido adotado por este segmento, a noção moral de repúdio às práticas sexuais desviantes teriam se convertido em questão de saúde e, portanto, doenças.
“Ao definir a perversão em função de uma finalidade natural [natureza = “discurso teológico”] e universal, o discurso psiquiátrico vigente no século XIX, o da época de Freud, dá continuidade às posições teológicas e jurídicas e faz com que o penal passe a ser da ordem médica”.
Em nenhum momento, contudo, Cecarrelli trata a pedofilia em seu artigo ou mesmo a necrofilia (citada por ele como exemplo junto ao homossexualismo, por exemplo) como algo realmente condenável segundo o que entendemos por normal.
Pelo contrário! Na live, por exemplo, o professor da UFMG também relativizou a questão, dizendo que “a pedofilia sempre existiu” e que toda prática sexual é regulada de acordo com a sua cultura, transmitindo novamente uma visão passiva diante dessa prática.
Na prática, o que o autor faz é atribuir a noção de comportamento desviante e imoral ao pensamento grego e teológico, fazendo (como disse na live, à cultura “judaico-cristã”) parecer que se trata de uma concepção retrógrada que foi capaz de influenciar a conduta jurídica e até psiquiátrica do nosso tempo.
Em outras palavras, a pedofilia seria apenas uma expressão da sexualidade humana, reprimida por questões de moralidade religiosa, e não um comportamento socialmente desviante fruto de uma índole realmente perversa do ser humano, digno de repúdio e punição.
A “neo-sexualidade”, portanto, seria o recurso de uma “sobrevivência psíquica” fruto dos rearranjos mentais e emocionais produzidos pelos indivíduos que apresentam, na atualidade, os comportamentos considerados desviantes.
Pedofilia é doença?
Poderíamos continuar destrinchando vírgula por vírgula o fatídico artigo de Ceccarelli, mas para não nos alongarmos demais, optamos por alertar os leitores sobre o que frisamos no começo dessa matéria de OPINIÃO (precisamos colocar em letras garrafais atualmente): pedofilia é doença?
Afirmamos que não! Assim como também afirmamos que a ideia de “patologizar” a pedofilia, na verdade, favorece o pedófilo e a legitimação dessas práticas como uma suposta variante da sexualidade humana, precisamente, como uma “preferência” ou “orientação” sexual como a hétero ou homo.
Esta visão do pedófilo como um “doente” já vem sendo ecoada pela mídia. O G1, por exemplo, publicou uma matéria em 2014 intitulada “Pedófilo relata tentativas de tratar a doença e o medo do descontrole”.
O portal jurídico Conjur publicou outra dizendo: “Pedofilia não é um crime, mas, sim, uma doença.” A ênfase no tratamento da pedofilia como uma doença leva à vitimização do pedófilo, de modo que logo teremos movimentos em prol dos “direitos pedófilos”.
Esse é o motivo pelo qual palestras onde “o sofrimento psíquico do pedófilo” é abordado soam muito mais como uma afronta às vítimas dos abusadores de crianças e adolescentes, essas que verdadeiramente sofrem a vida inteira com às sequelas das violências sofridas, do que como algo que visa compreender a real natureza do comportamento criminoso do pedófilo.
Entretanto, para que o leitor entenda melhor o motivo pelo qual a pedofilia NÃO É uma doença, recomendamos a leitura: Pedofilia é doença? Entenda a estratégia do ativismo pedófilo por trás dessa mentira.
Abaixo, segue o material do evento citado, bem como o vídeo da live que já foi realizada. Na gravação, Ceccarelli vai além. Veja e tire suas próprias conclusões: