“Meus pais ficam no telefone todos os dias. Odeio o celular e queria que ele nunca tivesse sido inventado”. Essa foi a declaração de uma criança após responder uma pergunta simples feita por uma professora americana, chamada Jen Adams: “Que invenção você gostaria que nunca tivesse sido criada?”.
“Se eu tivesse que te contar de qual invenção eu não gosto, diria que não gosto do celular. Eu não gosto do celular porque meus pais ficam no celular todos os dias. O celular às vezes é um hábito muito ruim. Eu odeio o celular da minha mãe e gostaria que ela nunca tivesse um. Essa é uma invenção de que eu não gosto”, respondeu outro aluno da 2ª série de um colégio no estado de Louisiana, segundo a Crescer.
Uma etapa do estudo Digital Diaries, realizado em junho de 2015 pela AVG, uma das maiores empresas globais de tecnologia de segurança, constatou que 42% das crianças com idades entre 8 e 13 se sentem trocadas pelo celular dos seus pais. A empresa entrevistou 6.117 pessoas de países como Austrália, Brasil, República Tcheca, França, Alemanha, Nova Zelândia, Reino Unido e Estados Unidos.
O estudo também apontou que 54% das crianças reclamaram da frequência com que seus pais olham o celular, especialmente durante a conversa com elas, fazendo surgir nelas outro dado relevante: o sentimento de desprezo (32%) pela falta de concentração no diálogo, segundo informações do R7.
Consequência sobre o desenvolvimento dos filhos
O desenvolvimento infantil é marcado por etapas, onde cada uma possui suas peculiaridades. Em todas elas, porém, algo se destaca em comum: a necessidade de referência e segurança. Mas, o que isto significa exatamente?
Alguns dos principais teóricos da aprendizagem, como Donald W. Winnicott e Henri Paul H. Wallon, apontaram a relação mãe-bebê como um fator-chave para o sucesso do bom desenvolvimento cognitivo e emocional das crianças em seus primeiros meses e anos de vida. O período que vai dos 0 aos 5 anos, também, para teóricos como Sigmund Freud, Melanie Klein, Lev Vygotsky, Jean Piaget, constitui uma fase crucial para esse desenvolvimento.
Não se trata do desenvolvimento motor e cognitivo, apenas, mas do emocional. Referência e segurança, como dito antes, dependem do tipo de relação desenvolvida entre a criança e seus pais. Quanto mais segura afetivamente a criança se sente, protegida, amada e cuidada, melhor se torna o aparato psíquico dela diante do mundo.
Para se desenvolver a criança se espelha em referências. Os pais são a maior referência. É com base no comportamento dos pais que a criança constrói sua ideia de mundo, especialmente de relacionamentos. A autoimagem da criança, isto é, a maneira como ela se enxerga, também é reflexo da maneira como os seus pais lhe tratam.
A falta de segurança e referência na vida das crianças na geração atual tem produzido uma geração emocionalmente vulnerável, carente, insegura e ansiosa. Crianças de apenas 7, 10, 11 anos (período compatível com a evolução da internet) estão cada vez mais externando problemas de ordem afetiva associados à falta de atenção dos pais, e isso também está relacionado à disciplina. Para entender esse outro aspecto da educação, leia: “O lugar da palmada na educação e a declaração de Milton Ribeiro: certo ou errado?“.
Essa é a geração que nos últimos anos tem apresentado maiores índices de psicopatologias, suicídio, automutilação, depressão e “rebeldias”. Não é só a falta de referência dos pais, mas a substituição dela por outra qualquer, literalmente, já que diante da ausência da família, a criança busca se espelhar no que o mundo lhe oferece de forma fácil e rápida.
O que fazer?
Pais e mães precisam dedicar a – maior – parte das suas vidas ao momento mais crucial para a vida dos seus filhos, correspondente ao período em que a personalidade se forma e as primeiras habilidades sociais se desenvolvem. Podemos dizer com segurança que essa fase vai dos 0 aos 5 anos, sendo esse um período crítico, mas que se consolida até os 10/12 anos.
A partir da adolescência, já no início da puberdade (11/12 em diante), a lógica começa a se inverter. Os filhos querem se ver mais independentes dos pais. Eles querem se provar diante do mundo e é nessa fase que começam a “trocar” os pais pelos amigos (risos). Isso é natural e necessário. É uma preparação para o mundo e algo contrário a isso não é um bom sinal.
Note, porém, que será nessa fase da adolescência que seus filhos colocarão à prova toda a herança recebida durante a infância. Os que tiverem tido boa referência e segurança, dificilmente deixarão para trás os conselhos dos seus pais, mas pelo contrário, vão utilizá-los para encarar a vida. O – bom -vínculo parental construído até os primeiros 10/12 anos de relação servirá de âncora para toda a juventude.
A maior problemática dos pais modernos parte desse ponto. Esse princípio de desenvolvimento relacional é ignorado ou rompido em determinado momento da vida. São pais ausentes durante a fase crucial do desenvolvimento cognitivo, afetivo e motor, que de repente querem se tornar presentes de “supetão” mais na frente, na adolescência, encontrando rejeição (justificada) por parte dos filhos.
É preciso acompanhar os filhos no dia-a-dia desde muito cedo, não em corpo presente, apenas, mas mentalmente. Conversar, participar das atividades conjuntas, ouvir, apreciar dúvidas, experiências, valorizando erros e acertos. É preciso lançar sobre os filhos um olhar de afirmação. É o olhar que seu filho(a) sabe que você os aprova, confia e acredita em suas capacidades, mesmo quando eles erram.
Muitos pais e mães estão tão entretidos no mundo virtual que não percebem o quanto isso é importante, deixando o tempo passar, enquanto seus filhos perdem tais referências.
A falta da presença paterna/materna gera um vácuo que, aparentemente, pode ser “preenchido” com entretenimento digital (pais que deixam seus filhos abandonados na frente de uma TV, do celular e outras parafernálias, horas e mais horas…), mas que vai estourar lá na frente na forma de sintomas de insegurança, ansiedade, revolta, tristeza, falta de motivação, etc.
Assim, pais e mães precisam voltar a ter contato com os filhos sem a presença da tecnologia como intermediária. Visitar praças, realizar atividades ao ar livre. Sair com outras crianças e promover interações. Tudo isso exige que você, pai e mãe, largue mais o celular. Abra mão um pouco mais de si para investir no futuro da saúde mental dos seus filhos. Acredite, se não fizer isso em tempo hábil, a conta dessa dívida um dia irá chegar.