À aprovação no Senado Federal do Projeto de Lei 2.630/2020, batizado popularmente como “PL das fake news”, encontrou resistência antes mesmo do resultado final da votação. Quem também se manifestou criticamente contra a proposta foi o relator da Organização das Nações Unidas para Liberdade de Expressão, David Kaye.
David explicou ao UOL que a liberdade de expressão, o livre debate de ideias, é um dos pilares da verdadeira democracia, de modo que qualquer dispositivo capaz de ameaçá-lo deve ser evitado.
“Um dos aspectos que é essencial nos direitos humanos é a liberdade de expressão e há um consenso que qualquer restrição a isso é uma potencial barreira aos direitos democráticos básicos”, disse ele.
David argumentou que combater a desinformação, como a propagação de notícias falsas, por exemplo, é uma necessidade, mas deu a entender que não é o caso do PL das fake news, dado a amplitude da proposta que, na prática, pode servir como ferramenta de censura contra adversários.
“Eleitores não podem tomar decisões se a informação está limitada. Isso não significa que governos não devem agir sobre desinformação. Mas se uma lei dessa dimensão não for adotada por meio de um processo genuíno, vai acabar minando o debate democrático”, disse ele.
“Há uma preocupação sobre o processo. Trata-se de uma lei extremamente importante e pode ter uma consequência muito séria para a liberdade de expressão”, destacou o relator.
David também observou a rapidez como o PL 2630, ou “PL da Censura”, como também está sendo chamado popularmente, tramitou no Senado. Vale ressaltar que o mesmo nem passou por um debate em uma Comissão da casa, por exemplo.
“… parece estar sendo levada com um alta velocidade, sem a interação suficiente e sem a sociedade civil. Isso é um problema muito sério”, afirmou. “O Brasil sabe como fazer grandes consultas e o Marco Civil prova isso.”
Intimidação
Uma das consequências possíveis apontadas pelo relator da ONU é a sensação de intimidação que a população pode sentir, prejudicando a capacidade de se expressarem livremente devido ao medo de serem acusadas injustamente de cometer alguma ilegalidade.
Esse tipo de sentimento é comum, por exemplo, nos países onde a população é regida por governos autoritários, como na China comunista ou Coreia do Norte, onde a repressão às ideias contrárias ao regime político fazem parte da rotina.
“No longo prazo, se as pessoas não têm segurança, elas podem ficar menos dispostas a engajar em debates políticos, dizer e compartilhar ideias que não sejam populares. Elas podem evitar se conectar com comunidades que possam vistas como marginalizadas”, alertou David.