Como médico pediatra, aprendi que, para cuidar bem das crianças, precisamos primeiro nos preocupar com elas. A história fornece alguns exemplos mais notáveis de tais cuidados, e um deles é o de Jesus de Nazaré (c. 4 aC a c. 30 dC).
Considerado por alguns como um professor de moral, outros como um profeta, e ainda outros como o filho de Deus, não precisamos resolver seu status religioso para colher de sua vida insights profundos sobre o que as crianças são, como elas se relacionam conosco e como e porque somos chamados a cuidar delas.
Nos dias de Jesus, as crianças nem sempre eram bem cuidadas. Por exemplo, a cultura romana permitia e até esperava que os pais abandonassem algumas crianças para morrer por exposição, e os filhos contavam legalmente como propriedade pessoal.
Em contraste, a cultura judaica tendia a considerar as crianças como a resposta a um chamado divino para ser frutífero e multiplicar, bem como um sinal de bem-aventurança e uma fonte de alegria.
A profundidade da preocupação de Jesus é revelada quando seus discípulos impedem que as crianças pequenas venham até ele, uma das duas únicas vezes nos Evangelhos que dizem que ele fica com raiva. Repreendendo seus discípulos, Jesus recebe os pequenos, leva-os para os braços e os abençoa.
A resposta de Jesus sugere várias coisas. Primeiro, até mesmo o menor entre nós – o menor, o mais fraco e o que não tem voz – merece nossa preocupação. Segundo, os impotentes são especialmente preciosos, em parte precisamente porque são tão vulneráveis.
Finalmente, Jesus diz na mesma passagem que quem não receber o reino de Deus como uma criança nunca entrará nele. Ele nos lembra que nós, adultos, não devemos negligenciar nossa própria insuficiência e dependência.
Enquanto supusermos que amadurecer até a idade adulta, alcançar a auto-suficiência econômica e assumir o manto do sucesso de alguma forma deixou a dependência da infância completamente para trás, estamos perdidos.
Do ponto de vista de Jesus, quaisquer bens que desfrutemos na vida – incluindo não apenas prosperidade material, mas também saúde, amizade , vida familiar, felicidade e até a própria vida – devem ser vistos não como nossos dons devidos, mas divinos. Ao cuidar das crianças, temos um vislumbre do que realmente somos.
Profissionais como médicos muitas vezes se parecem com as pessoas que Jesus tende a reprovar – em comparação à maioria, somos ricos financeiramente, altamente educados e exercemos autoridade substancial sobre a saúde e a vida dos outros.
Aproximando-nos a cada dia de tal perspectiva, poderíamos facilmente começar a nos colocar em primeiro lugar. Jesus nos lembra que, não importa quão prósperos, famosos ou poderosos nos tornamos, não somos elevados e poderosos. De uma perspectiva divina, nós também somos apenas “pequeninos”.
Em outra ocasião, quando Jesus vê seus discípulos discutindo sobre qual deles é o maior, ele pega uma criancinha em seus braços, dizendo: “Quem recebe uma criança em meu nome me recebe.” A grandeza se manifesta menos através de vitórias no comércio, política, ou batalha do que em serviço, e especialmente serviço aos mais vulneráveis.
Os discípulos procuram superar um ao outro na argumentação, mas Jesus os encoraja a canalizar suas energias para servir e amar aqueles que mais dependem de nós. É tão humilhante que brilhemos.
A mulher uma vez conhecida como Madre Teresa – agora Santa Teresa de Calcutá – foi perguntada uma vez como ela poderia suportar o cuidado de tantos seres humanos em apuros. Ela respondeu: “Eu me lembro de que cada um é Jesus disfarçado”.
Ela nos chama a reconhecer que as crianças carregam o reflexo de um grande servo. Assistência médica significa diagnosticar e tratar doenças, mas também envolve ver claramente o que mais importa na vida.
A visão de Jesus sobre as crianças oferece oportunidades para aprofundar nosso compromisso com o cuidado delas. Nós nos definimos como uma sociedade e como seres humanos em grande parte pela forma como nos importamos com eles.
As crianças nos mostram mais claramente do que ninguém o que significa contar nossas bênçãos. Eles nos lembram que, da mais alta e duradoura perspectiva, somos apenas pequenas partes de um todo muito maior. E está a serviço deles, aqueles que mais dependem de nós, que desfrutamos de uma das nossas melhores chances de levar vidas que importam.